Sunday, May 25, 2014

Encharcar-se

Um verbo muito bonito, "encharcar-se".

Tomar para si, com todo seu corpo, sem pudor.
Tomar para si com tanta intensidade, que se dá de volta sem querer (ou se quer?).
Entregar-se tão completamente, que não há escolha senão escolher apreciar. E aprecia-se essas duas entidades tentando com a força do mundo ser duas entidades juntas.

Encharca-se de azul, de ar, de chuva, de passarinho, 
de mar, de vida, de estrelas, de nuvem.
Encharca-se de mundo.
Em plena vida se encharca.

Sunday, May 11, 2014

Amarelegria.


Sabe, a primavera começou aqui no cerrado. 

A chuva voltou depois da seca do inverno, a grama voltou a ficar verde e tem milhões de cigarras cantando por aí junto com outra leva de bichos estranhos sapateando ao sol que agora
- só de preguiça- 
espera até às oito da manhã para acordar. 
Antigamente, essa era a minha definição da estação:
 cigarras, chuva e horário de verão.

Pois é, 
Aconteceu algo diferente semana passada.
 Me lembrei de que quando eu estava lá do outro lado do oceano 
eu sempre sabia quando a estação mudava, mesmo se não a conhecia. 
Sabia por que as flores sempre mudavam.

Daí, como quem não quer nada, resolvi reparar nas flores dos canteiros da cidade. 
Bem nessa hora, estava eu a passar por um canteiro cheio de pequenas flores bem juntas e lilases, 
no meio delas, um pouco tímida, 
tinha uma única florzinha amarela. 

Sabe que, aquela única e pequena florzinha amarela conseguia iluminar todo o canteiro?

Desenvolvi a teoria das flores amarelas:
 Basta uma flor amarela e o canteiro se ilumina.
 Comecei então a catar pequenas florzinhas amarelas por aí. 
Quase uma brincadeira.

Vi quantos pequenos jardins se formam pelos cantos, e ninguém nem sabe que estão lá...
 Ou mesmo os canteirinhos bem cuidados em uma jardineira de casa de vó... 
Todos eles, por mais coloridos que fossem, ficavam bem mais bonitos se tivessem
 uma só florzinha amarela.

Aí a minha caminhada se prolongava nesse embalo de cumprimentar as flores,
Vi milhares de canteiros cheios de flores, brancas, coloridas, rosas e margaridas
Cumprimentava a todas, fossem elas grandes ou pequenas, tímidas ou extravagantes... 
Sem me cansar cheguei ao meu destino: 
o lugar para onde vou todos os dias.

Logo que tinha acabado de começar a re-conhecer as flores,
qual foi a minha surpresa? 
Os canteiros que eu via todos os dias se fizeram completamente novos. 
As flores predominantes nessa primavera no cerrado são grandes e bonitos:
 Lírios amarelos!
 Lindos! 
E tem milhares deles! 
Perguntei-me como eu nunca os tinha visto antes... 
Eles provavelmente estavam ali há muito tempo...

Talvez eu os enxergasse, mas nunca os tinha realmente visto. 
Sabe, é muito fácil não ver coisas incríveis quando não se repara nelas... 
Mas, no momento em que você se toca que elas estavam ali, 
é uma surpresa fantástica! 

Agora, gosto de revê-los sempre que passo... 
São bonitos como milhares de sorrisos que desabrocham docemente esperando o sol nascer... 
E quando nasce, traz consigo as andorinhas azuis que voltam a fazer seus ninhos por aí.

Enfim... Agora esse é o meu mais novo jogo.
 eu o chamo de:
 Amarelegria. 
...

Quer brincar?

Começo a escrever

Aqui, tento escrever sem borracha. Apenas grafite e papel e um mundo a ser escrito.
Nenhuma chance de desescrever ou de reescrever o mundo.
Isso me assusta muito.
É como se eu estivesse vivendo.